terça-feira, 21 de dezembro de 2010


O riso amarelo do Kindle

Fonte: Público, P2, 18-12-2010
Já aqui colocámos um notícia sobre o Kindle, a propósito de um artigo de Alberto Gonçalves, a 21 de Janeiro (ver O riso do Kindle). O sociólogo dizia sentir que a luta entre o mundo dos livros e o mundo do digital estava a ser ganha por este último. Transcrevemos: "Ao contrário do que se julga, adquirir na meia-idade o Kindle ou gadgets afins não nos ajusta à época: apenas mostra, com requintada crueldade, que a nossa época acabou ou ameaça acabar. O Kindle, em suma, ri-se de nós, com o ecrã escancarado, e aposto que, cedo ou tarde, pagarei para ouvir o seu riso. Absurdo? A espécie é assim: está nos livros, entretanto ironicamente e-bookse digitalizados e apetitosamente portáteis."

 Porém, acrescentamos nós, o percurso do Kindle e de outros gadgets, que permitem ler livros digitais,  não tem sido transparente e o texto de Isabel Coutinho, intitulado Amazon censura livros sobre incesto, na edição impressa do Público, dia 18 deste mês, vem colocar dúvidas sobre as políticas de gestão de editoras e livrarias on-line, neste caso, a Amazon.  Isabel Coutinho refere a arbitrariedade com que a livraria retira livros em formato electrónico sobre temas tabu, incesto, pornografia e pedofilia, quando tem à venda obras impressas como Lolita de Nabokov. Os autores alegam que apenas escrevem ficção, não defendem essas práticas. Wicked Lovely, de Jess C. Scott, foi retirado porque descreve uma cena de sexo entre dois jovens: de dezassete e de dezoito. Os leitores do Kindle viram a obra de George Orwell, 1984, ser  retirada, sem mais nem menos, porque a empresa que a pôs à venda não detinha os direitos. Tudo bem.  Mas, quando uma leitora reclamou por ter sido retirado um dos livros de Selena Kitt, autora de livros eróticos, pedindo o  dinheiro de volta, recebeu apenas uma resposta de alerta para a "gravidade" (sublinhado de Isabel Coutinho) das suas leituras.

Que conclusões podemos daqui retirar?
A primeira é a de que não podemos estar cem por cento seguros relativamente aos livros electrónicos que compramos/alugamos on-line. Mesmo que os leitores saibam que às livrarias  estão reservados os direitos de retirar a publicação do catálogo, haverá sempre leitores incondicionais de e-books. Mas até que ponto estaremos dispostos a arriscar? E, depois, o absurdo é que, enquanto a  Amazon retira,  os livros estão a ser vendidos noutra livraria.
A segunda questão e a mais importante é, quanto a nós, a atracção reiterada ao longo dos tempos, de empresas e instituições, para  controlarem a publicação da obra de arte ou da obra  literária.
A defesa do direito à liberdade de expressão e de  divulgação da obra de arte traz-nos à memória  duas obras de ficção que servem de paradigma. Uma delas: 1984, de George Orwell, já aqui referida, em que a electrónica tanto fiscaliza o trabalho como controla o ócio do indivíduo.  A outra: Os sete minutos  de Irving Wallace, a obra mais polémica do autor e cujo  enredo é a defesa magistral de um livro polémico, e o direito à liberdade de expressão.  Duas obras a não deixar de ler.
Ligações associadas:
 the self publishing revolution
teleread.com
twitter: theregister.co.uk


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